A maioria dos pacientes com síndromes somáticas funcionais são mulheres. Fatores genéticos, hormonais e ambientais levam a diversas implicações

Não podemos separar o corpo da mente. Os sintomas sempre estão presentes na cabeça da paciente, pois tudo é processado no cérebro, seja um sinal de dor decorrente de uma fratura, uma dor lombar ou uma alteração gastrointestinal.

Esses sintomas não são inventados como muitos acreditam de forma inadequada, mas sentidos (interpretados pelo cérebro) de forma diferente. Os sintomas são sempre autênticos e sentidos pelo paciente.

Um mesmo estímulo de dor em uma mesma pessoa pode ter intensidade diferente em função de algumas variáveis, como o momento da vida ou uma hipersensibilidade generalizada a estímulos térmicos, mecânicos, químicos, elétricos e hormonais.

As Desordens funcionais ou Síndromes Somáticas Funcionais (SFF) são quadros apresentados por pacientes que se queixam de sintomas físicos, cuja origem biológica não é clara, na ausência de marcadores biológicos de doença.

Os sintomas inexplicáveis são alterações funcionais sem alteração da estrutura concomitante.

Quase todas as desordens funcionais (síndromes funcionais) estão associadas a:

  • dor;
  • fadiga;
  • sono não reparador;
  • sofrimento emocional.

Apresentar uma SSF é um importante fator de risco para apresentar uma nova síndrome funcional somática. Esta concomitância de síndromes leva a alguns questionamentos na literatura médica.

Não estaríamos diante de um artefato da medicina ou da presença de várias síndrome dentro de uma síndrome?

Uma explicação para esta teoria seria a sobreposição dos critérios diagnósticos das várias SSF. Uma paciente portadora de uma síndrome pode preencher critérios para outra síndrome, compartilhando algumas características comuns em relação ao sexo, transtorno psiquiátrico, prognóstico ou resposta ao tratamento.

Exemplos clássicos são a Síndrome do Cólon Irritável (SCI), a Fibromialgia (SFM) e a Síndrome da Fadiga Crônica (SFC), por exemplo.

O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) estima que a SFC tem um impacto econômico de mais de 9 bilhões de dólares por ano nos EUA devido à perda de produtividade. Em contraste, o custo anual direto da SCI é superior a 40 bilhões de dólares por ano. Assim, as disfunções funcionais custam somas enormes à sociedade a cada ano, com mais da metade destes gastos relacionados a serviços de saúde.

O ser humano, diante de um sintoma, procura assistência médica na busca de uma explicação para o seu sintoma. Essa necessidade de um diagnóstico estimula a realização de vários exames complementares, muitas vezes de forma exagerada.

Cada vez mais, percebe-se no dia a dia mulheres com quadros dolorosos sem um diagnóstico claro, com médicos perdidos ou realizando diagnósticos precoces sem base sólida apenas para justificar o tratamento.

Na medicina temos algumas máximas:

“Quem não sabe o que procura, não sabe o que encontra”

Claude Bernard (1813-1878)

“Só podemos tratar uma paciente, se tivermos chegado a um diagnóstico”

Hipócrates (400 antes de Cristo)

Assim, a tarefa do profissional da saúde tem sido a de diagnosticar a origem dos sintomas e providenciar tratamentos adequados. Às vezes, precisamos excluir alguns diagnósticos e focar na busca de uma solução.

Várias sociedades e especialidades médicas criaram critérios diagnósticos para problemas clínicos funcionais, após exclusão de problemas anatômicos.

A endometriose é uma doença capaz de provocar sintomas semelhantes aos apresentados pelas pacientes com cólon irritável, fibromialgia e fadiga crônica, devendo sempre ser excluída com uma boa avaliação ginecológica.

O diagnóstico dado a um determinado paciente pode não ser apenas fortemente influenciado pelos sintomas do paciente, mas também pela especialidade do médico.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia, cerca de 5% dos pacientes que vão a um consultório de clínica médica são diagnosticados com fibromialgia, ao passo que 10% a 15% dos que vão ao consultório de reumatologia apresentam essa condição.

Neste caminho para a construção de um diagnóstico clínico, o conceito de psicossomática emergiu. Esta palavra, criada em 1818, tem como campo de trabalho a compreensão e interdisciplinaridade para avaliar os fatores biopsicossociais que afetam a vulnerabilidade individual, o curso e o resultado de qualquer tipo de doença.

Passamos a entender todas as doenças na medicina como uma doença psicossomática, uma vez que todas apresentam uma característica biopsicossocial.

Logo, podemos incorrer no risco de classificar uma úlcera gástrica como proveniente de estresse, quando na verdade o fator predominante em sua gênese é uma bactéria, com seu específico tratamento.

Mais uma vez fica a pergunta de onde começa o problema: no corpo ou na mente?

Os pacientes comumente não estão cientes de seu problema psicológico subjacente e acreditam que têm doenças físicas, assim eles continuamente pressionam médicos por testes e tratamentos adicionais ou repetidos, mesmo depois que resultados de uma avaliação completa sejam negativos.

Embora as desordens funcionais demonstram uma sobreposição significativa de sintomas, seu diagnóstico depende principalmente da queixa e da disfunção predominante dos pacientes.

A diarreia e constipação alternadas podem sugerir SCI, dor crônica generalizada sugere SFM e fadiga incapacitante sugere SFC.

O importante é que os tratamentos são semelhantes, com o foco voltado para reparar o principal problema, diminuir o estresse, estimular exercícios físicos gradativos e uma terapia cognitiva comportamental. Em resumo, é preciso melhorar o funcionamento global e gerar alívio dos sintomas específicos com ajuda de uma equipe multidisciplinar.

Gustavo Safe é diretor e médico especialista em endometriose no Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Clínica Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados a saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.

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