Toda mulher quer ser uma mulher maravilha: bonita, poderosa e eternamente jovem. Postergar a menopausa com a reposição hormonal pode ajudar, mas há riscos.
A principal diferença entre o homem e a mulher começa no período embrionário, através da diferenciação da gônada indiferenciada em testículo decorrente da presença do cromossoma Y (SRY – FDT – TESTOSTERONA – DHT), ou em ovário, na ausência dele. Este ovário vai produzir o estrogênio, hormônio específico da mulher e responsável pela qualidade de vida.
Ele é responsável pela saúde ou bom funcionamento da vagina, vulva, útero, trompas, bexiga, mama, pele, intestino, sistema endócrino e metabólico, sistema nervoso central, entre outros.
34 anos é a média de tempo entre a idade da menarca (primeira menstruação) e a menopausa (última menstruação), quando temos uma produção satisfatória de estrogênio.
Segundo dados do IBGE de 2019, a esperança de vida do brasileiro aumentou 31,1 anos desde 1940, com expectativa de vida do homem de 73,1 anos e da mulher de 80,1 anos.
Percebemos, assim, que a mulher que não faz reposição hormonal (TRH) passa menos da metade da sua vida com estrogênio. Em contrapartida, aquela que faz TRH por pelo menos 5 a 10 anos passa mais da metade da sua vida com o estrogênio em níveis adequados, trazendo benefícios e qualidade de vida na maioria das vezes.
Nesse sentido, temos o estrogênio como mocinho em relação à proteção contra alguns tipos de câncer, massa óssea e proteção cardiovascular, mas sendo vilão em relação aos sintomas dolorosos (enxaqueca, mastalgia, dores pélvicas e abdominais) e flutuações de humor (labilidade emocional – depressão e ansiedade), bem mais frequentes na mulher.
Apesar do mito da mulher multifuncional, a mulher consegue fazer várias coisas ao mesmo tempo quando apresenta adequado equilíbrio, que pode ser perdido com a ausência de hormônio na chegada da menopausa. Afinal, hormônio significa ação para agitação.
Ao final da vida reprodutiva, temos a gangorra hormonal com os ovários encerrando o expediente. 80% das mulheres apresentam ondas de calor, suor intenso, atrofia vaginal, queda de libido, insônia, desânimo e depressão. Não é à toa que a maioria das mulheres gostaria de postergar a menopausa ao máximo.
Nos últimos 25 anos, a TRH, quando administrada criteriosamente, pode reverter todos esses problemas, principalmente entre as mulheres que apresentam sintomas graves, com poucos riscos de câncer de mama.
Algumas mulheres dizem: “Tivemos esses sintomas, sofremos e continuamos com nossas vidas.” 60% das mulheres que passam pela menopausa precisam de atenção médica e retornam ao médico por razões de todos os tipos, como para mudar de medicação, pois a terapia hormonal não funciona ou não é apropriada.
Assim, poucas mulheres nos dias de hoje fazem TRH, mesmo com advento dos hormônios bioidênticos (hormônios semelhantes àqueles produzidos pelo nosso organismo e teoricamente providos de menos efeitos colaterais), ou pela recomendação de algumas sociedades médicas.
Não seria uma maravilha se a mulher pudesse manter-se poderosa até os 70 anos com o seu próprio ovário funcionante?
O nascimento da Dolly, em 5 de julho de 1996, 25 anos atrás, ainda não mudou a perspectiva entre nós de termos um órgão humano clonado (ovário, por exemplo). Nos resta, assim, tentar evitar o declínio da reserva ovariana (folículos primordiais) ao longo da vida feminina.
O uso de medicação (análogo e pílulas anticoncepcionais) parece não ajudar, salvo em pacientes que serão submetidos a tratamentos de quimioterapia.
Dietas ricas em ômega 3 e antioxidante (nozes, castanhas, peixe e legumes frescos todos os dias) parecem postergar a menopausa em até três anos, segundo a equipe da Universidade de Leeds. Em contrapartida, o cardápio rico em carboidratos (massas, arroz, etc) antecipou a menopausa em até um ano.
O declínio mais importante da reserva ovariana acontece após os 37 anos (1 milhão de folículos ao nascimento, 400 mil na menarca aos 12 anos, 10 mil aos 37 anos e 10 mil aos 40 anos).
Neste período, cirurgias sobre o ovário e órgãos reprodutivos (útero e trompas) podem igualmente acelerar esta queda, devendo ser evitadas ou realizadas por uma equipe capaz de realizar uma cirurgia ovariana segura.
A ooforectomia (retirada do ovário) unilateral é capaz de antecipar a idade da menopausa de 51,3 anos para 49,5 anos, segundo um estudo de cohort retrospectivo com 28.731 mulheres, publicado na revista Climacteric em 2017 (Rosendahl et al).
Quando avaliaram de forma linear a idade da ooforectomia em relação à idade da menopausa, os números foram 44,7 anos se feita aos 20 anos, 46,3 anos aos 30 anos e 48,7 anos aos 45 anos.
O congelamento do tecido ovariano teve início no final dos anos 1990 (1995/1997) no serviço do professor Donnez, na Bélgica, com as primeiras reuniões sobre o assunto em 1997 e com o nascimento da primeira criança após transplante autólogo em 2004.
Até então considerada uma terapia em desenvolvimento, deixou de ser experimental na Europa e nos EUA em 2019 com mais de 200 crianças nascidas deste procedimento no mundo, graças aos avanços da criobiologia, que é o estudo dos processos de congelamento de células e tecidos.
Esses procedimentos permitem a preservação de células e tecidos por longos períodos, mantendo suas propriedades biológicas quando descongeladas.
Protocolos de criopreservação foram desenvolvidos para permitir que as células sejam preservadas em baixas temperaturas após congelamento lento (ideal) ou rápido (vitrificação), permitindo que a sua estrutura e função não sejam praticamente afetadas.
Apesar de todos os cuidados tomados, não é possível garantir a sobrevida dos folículos após tecido descongelado, nem a retomada da produção hormonal.
Considerando todo este sucesso descrito, a sociedade científica começou há 5 ou 7 anos um debate interessante sobre a possibilidade de utilizar essa tecnologia para preservar a fertilidade e postergar a menopausa.
Um dos responsáveis foi Simon Fishel, que em 2019 criou o primeiro serviço do mundo com objetivo único e exclusivo de congelar tecido ovariano e postergar a menopausa por até 20 anos, com um custo de 7.000 a 11.000 libras e até o momento com poucas pacientes tratadas.
Simon Fishel, fundador e presidente da CARE Fertility Group, o maior especialista independente de serviços em fertilidade humana no Reino Unido, em 1975, juntamente com Bob Edwards e Patrick Steptoe, foram os responsáveis pelo nascimento do primeiro bebê concebido por fertilização in vitro, em 1978.
Esta técnica deve ser aplicada em mulheres com até 37 anos, podendo ser expandida a mulheres com até 43 anos, desde que apresentem uma boa reserva ovariana. Neste caso, o mais importante não será a qualidade do material genético do óvulo, e sim a capacidade do mesmo em produzir hormônios.
A técnica consiste em retirar tiras do ovário (6 a 7 tiras correspondendo a 50% da sua superfície) que serão congeladas e reimplantadas no futuro (2 a 3 tiras de cada vez), podendo manter uma produção hormonal durante 2 a 7 anos em cada tentativa, que poderá ser repetida 2 ou 3 vezes, se desejado, possibilitando até 20 anos de produção hormonal.
Importante deixar claro que quanto mais precoce (ao redor dos 30 anos) for a retirada, maior será o tempo de produção hormonal pelo transplante.
A retirada é realizada através de uma cirurgia laparoscópica minimamente invasiva que, apesar de não ser isenta de riscos, possui uma morbidade (riscos) muito baixa. A retirada das tiras do ovário gasta de 5 a 10 minutos, enquanto o procedimento cirúrgico gasta em média 30 minutos.
O reimplante autólogo na mesma paciente pode ser realizado na pelve quando o objetivo principal é a fertilidade ou na parede anterior do abdômen ou braço, quando o objetivo for hormonal (semelhante à colocação de um implante).
Esse procedimento pode ser ofertado e realizado concomitante a outra indicação cirúrgica, como cirurgia da endometriose, cirurgia para ligadura de trompas (STB), histerectomia, colecistectomia, apendicectomia.
Ainda podemos realizar este procedimento em uma paciente que será submetida a uma cesariana, já que outros procedimentos como STB, coleta de sangue de cordão umbilical são frequentemente realizados.
Como todas as novidades, esta não é isenta de controvérsia, uma vez que ainda não existem ensaios clínicos robustos avaliando a eficácia a longo prazo com esse objetivo, diferentemente da técnica de preservar a fertilidade já bem estabelecida em casos de câncer.
As sociedades médicas, em especial a de menopausa, precisam abrir este debate, criar protocolos e padronizar a técnica para que essa nova tecnologia, já disponível no Brasil, possa ser difundida e utilizada com segurança.
As diretrizes atuais para a realização de TRH devem ser as mesmas para a realização ou não do transplante de tecido ovariano congelado, até que novos protocolos sejam estabelecidos.
“Acho que chegou a hora de dizer às gerações mais jovens que essa tecnologia já está disponível, caso queiram pensar sobre o assunto”, diz Simon Fishel.
Gustavo Safe é diretor e médico especialista em endometriose no Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Clínica Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.
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