Desafio da Reprodução Assistida na endometriose intestinal.
A Reprodução Assistida têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana. É possível realizar a técnica mesmo com endometriose?
Endometriose é a presença de endométrio, epitélio que reveste a cavidade interna do útero fora do útero infiltrando os órgãos da pelve e abdome como o intestino por exemplo.
Com o avanço nos conhecimentos e a melhora dos equipamentos de imagem, o diagnóstico clínico passou a ter enorme relevância ficando para a cirurgia apenas o papel de confirmar, estadiar e tratar a doença em mulheres sintomáticas.
Endometriose provoca infertilidade segundo dados da literatura com acometimento intestinal cada vez mais presente.
A endometriose deve ser considerada como um problema sistêmico em relação às questões reprodutivas independente de onde esteja com principais mecanismos de infertilidade a distorção anatômica, a diminuição da reserva ovariana, a baixa qualidade oocitária e embrionária, a implantação deficient com fluido peritoneal citotóxico na função dos espermatozóides e na sobrevivência do embrião.
Várias metanálises mostram que as mulheres com endometriose submetidas a Fertilização In Vitro apresentam piores taxas de fecundação, maior taxas de perdas gestacionais, menores taxas de implantação e taxa aumentada de complicações obstétricas em relação às mulheres sem endometriose.
A cirurgia é importante no tratamento da endometriose, restabelecendo a anatomia, aliviando a dor e diminuindo a resposta inflamatória, principalmente após o advento da laparoscopia com imagens em 3D, resolução 4k que com um melhor planejamento cirúrgico com equipe multidisciplinar possibilitou abordagens até então pouco realizadas.
A ESHRE através dos seus guidelines mais antigos coloca que a eficácia da cirurgia da endometriose antes da FIV não estaria bem estabelecida.
Um artigo (*) publicado no JMIG em 2021, Impact of Surgery for Deep Infiltrative Endometriosis before In Vitro Fertilization: A systematic Review and Meta-analysis” mostrou que existem evidências suficientes para mostrar o papel da cirurgia da endometriose antes da FIV.
Grande parte dos cirurgiões (geral, coloproctologista e oncológico) não tem formação em infertilidade e muito menos são especialistas na endometriose.
Da mesma forma, vários centros de reprodução humana não têm protocolos específicos para endometriose por acreditarem que a FIV seja soberana e não agrava os sintomas, não acelera a sua progressão ou aumenta a sua recorrência. Muito diferente do que vivenciamos na prática.
Nós médicos não temos obrigação de fim e sim de meio, ou seja, precisamos informar e oferecer o melhor, mais seguro e com melhores resultados.
A Fertilização In Vitro não é tratamento de endometriose!
Ela é uma ferramenta muito importante na abordagem da infertilidade em qualquer paciente, ainda mais com endometriose.
Na busca por respostas às vezes precisamos esquecer as generalizações e traçar limites: Como proceder com uma paciente infértil com endometriose no reto (2 cm e 30% da circunferência)?
Um ponto a favor da FIV seria no caso de paciente assintomática, sem dor. Será que existe endometriose intestinal assintomática? Análise difícil como separar o joio do trigo.
Outro ponto a favor da FIV na vigência de sintomas seria a eficácia do bloqueio prolongado da endometriose por 3-6 meses (com análogo do Gnrh) com melhora em até 4 vezes dos resultados de gravidez.
Em contrapartida, perderíamos menos tempo com a realização de uma cirurgia completa da endometriose, sem contar com os efeitos semelhantes à menopausa provocados pela medicação.
Diante da questão tempo, pode-se propor uma coleta de óvulos com fertilização de embriões que serão congelados e transferidos após a cirurgia.
Apesar do aumento do número de clínicas de reprodução assistida os valores são elevados, as medicações caras e os procedimentos não são contemplados pelos planos de saúde e muito menos pelo SUS.
Publicada no D.O.U dia 19.11.92-seção I, página 16053, as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida tem como um dos princípios gerais:
“As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação atual de infertilidade”
Cirurgia deve ser primeira linha diante do envolvimento intestinal pela endometriose com significância estatística (OR-2,43) conforme artigo citado (*).
Embora a razão exata da melhora possa trazer dúvidas, o restabelecimento da anatomia favorece e muito a punção e coleta ovular.
Um eventual dano a reserva ovariana depende do procedimento realizado e do cirurgião. Aí temos um problema na escassez de serviços capazes de realizar esta cirurgia com mínimos danos e máximos benefícios independente da forma de remuneração (planos de saúde, SUS ou particular).
As complicações obstétricas são mais frequentes em pacientes de reprodução assistida e agravadas na presença da endometriose.
A gravidez também não é tratamento da endometriose. Algumas mulheres têm a doença controlada durante a gestação mas com riscos obstétricos elevados.
Alguns desses riscos são a placentação anômala, abortos espontâneos, pré-eclâmpsia, retardo de crescimento intra-uterino, placenta prévia, descolamento prematuro de placenta, hemorrágias anteparto, parto prematuro, ruptura uterina, cesariana, recém-nascido de baixo peso, natimorto e hemorragias pós-parto.
Postergar cirurgia aumenta morbidade e mortalidade, mesmo em pacientes sem menstruar devido aos risco de perfuração intestinal ou obstrução conforme alguns raros relatos na literatura.
Não podemos esquecer que a cirurgia e a FIV também apresentam taxas de complicações que não podem ser negligenciadas.
Na FIV temos hiperestímulo em até 7%, sangramento em 1,3%, infecção em 0,9% e piora da endometriose em 0,4% conforme artigo(*).
Na cirurgia, as complicações maiores e menores variam de 3 a 7% em função da gravidade da doença e do serviço onde é realizada.
O último ponto a ser considerado são os fatores prognósticos como a idade, a reserva ovariana, a paridade e o fator masculino que têm pesos diferentes mas ajudam na seleção daquelas pacientes que se beneficiaram mais rapidamente da reprodução assistida!
O contraponto vem da necessidade do bom senso médico prevalecer em priorizar a fertilização in vitro sem falhas da cirurgia ou priorizar a cirurgia sem falhas de FIV!
A mulher moderna de hoje tem mais conhecimento devido a globalização e é muito mais exigente que a mulher do passado na sua busca por resultados.
Precisamos conciliar a medicina baseada em experiência e a medicina baseada em evidência com a medicina baseada em inteligência.
Em um futuro próximo, a inteligência artificial (computador) vai nos ajudar a analisar todas as variáveis de uma pessoa, selecionando não necessariamente o melhor estudo com as melhores evidências e sim o que melhor atende aquela paciente de forma individualizada.
Gustavo Safe é diretor e médico especialista em endometriose no Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Clínica Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.
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