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Medicina de precisão, uma ciência exata, biológica ou humana?

A medicina de precisão (MP) prevê que cada pessoa merece receber um tratamento único e individualizado, que respeite suas características genéticas, biológicas e as epigenéticas (influências nas expressões dos genes pelo ambiente e por fatores como estilo de vida)

A MP tem a predição, a prevenção e a personalização como pilares principais que a tornam mais humanizada, pois o foco passa a ser no paciente, no ser humano.

Ela busca compreender os aspectos genéticos que tornam cada indivíduo único, aliando os dados já convencionalmente utilizados para diagnóstico e tratamento.

Os seres humanos gostam de categorizar e nomear tudo que nos cerca e cientificamente dividem as áreas do conhecimento em três grandes áreas como exatas, humanas e biológicas.

Na atualidade, temos uma integração entre estas três áreas que não precisam ser distintas.

Assim, o conceito de que as ciências humanas estudam o homem e sua tendência comportamental e as ciências biológicas estudam o homem e sua composição química precisa evoluir.

A medicina nunca foi uma ciência exata como aquelas que usam a matemática embora cada vez mais exista uma integração da matemática tentando diminuir a subjetividade e aumentar a precisão sem deixar de lado o contexto humano.

Hipócrates colocou em seus manuscritos  que o segredo da medicina consistia em juntar a doença, o doente e o médico, idealizando naquela época a medicina que deve ser realizada hoje.

A conjunção da visão antiga de se tratar apenas doenças com a visão atual de focar mais no doente com abordagens com médicos multidisciplinares, visa garantir intervenções muito mais eficientes, precisas e livres de erros.

Apesar do desenho e implementação de ensaios clínicos cada vez mais precisos ao longo da história com utilização de placebo, estudos duplo-cego randomizados, existe uma variabilidade de resposta entre os indivíduos que não pode ser explicada unicamente por variações de idade, estado nutricional, ambiente ou outros fatores comumente analisados. 

Na predição os testes genéticos (painéis genéticos) analisam genes relacionados a uma ou mais condições específicas, com o objetivo de ajudar a definir eventual risco de apresentar ou ser acometido por alguma doença.

Como é realizado o teste genético?

O teste é feito em uma pequena amostra de líquido corporal ou tecido, geralmente sangue, mas, às vezes, saliva, células internas da bochecha, pele ou líquido amniótico.  Em seguida a amostra é enviada para um laboratório especializado em testes genéticos. 

De acordo com o National Institutes of Health (NIH), em 2017 já existiam mais de 50 mil testes genéticos para 10 mil condições clínicas. 

Nesse mesmo ano, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estimava o surgimento de dois a três novos testes por semana. 

No Brasil o Hospital Albert Einstein possui o PREDICTA que atualmente é capaz de estudar 147 ou 563 genes com acompanhamento anual durante 5 anos pelo geneticista da instituição.

Os dados do genoma e das alterações gênicas podem ser utilizados na prevenção e  na intervenção médica com a ajuda da Inteligência Artificial. 

Na prevenção, o conhecimento dos riscos vai ajudar a elaborar estratégias de prevenção e diagnóstico precoce muito antes da doença manifestar sintomas clínicos visíveis. 

Um ótimo exemplo é a pesquisa da mutação do gene BRCA1 e BRCA2 que predispõe principalmente, ao câncer de mama e ovário.

A atriz Angelina Jolie quando descobriu que tinha uma mutação genética no gene BRCA-1 e Brca-2 decidiu retirar as duas mamas e, algum tempo depois, os dois ovaries, gerando muitas polêmicas na época

Do ponto de vista do tratamento, a personalização permite a escolha de drogas que minimizem efeitos colaterais e que produzam os melhores resultados de forma individualizada e não global.

A farmacogenética (farmacogenômica) nasceu da combinação das áreas de genética, bioquímica e farmacologia e trouxe evidências da relação causal entre o genótipo e a resposta a drogas, indicando padrões de variações fenotípicas de grande relevância clínica. 

Estes testes permitem a avaliação do potencial de resposta da terapia de escolha a determinada doença, podendo orientar a escolha terapêutica ideal para diversos tipos de câncer.

Em alguns casos, o conhecimento do nome e sobrenome do câncer permite a criação de imunoterápicos e vacinas.

Os EUA se destacam pela velocidade de produção e de disponibilização de produtos e serviços de MP no mercado.  Segundo a Personalized Medicine Coalition, o número de drogas, tratamentos e diagnósticos personalizados disponíveis passaram de 13 em 2006 para 113 em 2014. 

No Brasil, obviamente, as coisas são um pouco mais difíceis. Sem grandes investimentos do governo federal em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, a medicina de precisão ainda caminha lentamente, e há pouco material bibliográfico sobre o assunto.

Entre os fatos mais relevantes em nosso país, destacam-se a criação da Brazilian Initiative on Precision Medicine (BIPMed) em 2015, uma iniciativa que envolve instituições de ensino e pesquisa públicas do estado de São Paulo. 

Em 2017 foi criada a Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão.

Um dos esforços governamentais também na área foi o Projeto Genomas Raros, realizado em parceria com o Hospital Albert Einstein com o objetivo de sequenciar genomas completos de indivíduos brasileiros com doenças raras de suposta base genética e risco hereditário de câncer. 

A combinação de tecnologia e conhecimento adquirido vem modificando a forma de atuação da medicina ao longo dos anos, mas quando se trata de uma pandemia, ou de uma doença grave capaz de acometer milhões de pessoas, não há como fugir dos testes em massa

Vimos isso acontecer nos últimos meses, quando laboratórios de diferentes países começaram a testar suas fórmulas em grupos cada vez maiores de voluntários.

Mas, para outros problemas de saúde, incluindo diversos tipos de câncer, doenças autoimunes e neurodegenerativas, o tratamento diferenciado da medicina de precisão pode fazer uma grande diferença. 

Quem mais tem a ganhar, contudo, são os pacientes. Com métodos humanizados, acompanhamento médico mais próximo e atenção aos detalhes únicos do organismo de cada pessoa, a medicina de precisão consegue oferecer tratamentos mais eficientes (por serem personalizados), sem prejudicar a qualidade de vida do paciente (por apresentarem menos efeitos colaterais).

Isso também traz benefícios para o profissional da saúde, que pode focar mais no paciente, elaborando diagnósticos mais precisos e detalhados, pois estudando melhor o  caso, o médico pode inclusive conhecer mais sobre uma doença.

Embora a MP seja um grande avanço na forma com que a saúde humana é tratada, ela não deve representar uma quebra de paradigma total. 

É uma metodologia que demanda tempo e investimentos para funcionar, e o tratamento diferenciado também tende a ter um custo mais elevado para o paciente  ficando restrita à uma parcela mais abastada da população, que pode arcar com os custos dos tratamentos personalizados que no momento não são contemplados pelos planos de saúde e pelo SUS.

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Gustavo Safe é diretor e médico especialista em endometriose no Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Clínica Ovular Fertilidade e Menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.

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