(foto: Pixabay)

Não é de hoje que vejo mulheres nos consultórios ginecológicos solicitando a histerectomia como se ela fosse a solução dos seus problemas

No Brasil, existe uma cultura por parte das mulheres e dos médicos de que o útero só serve para te dar filhos e provocar câncer no futuro.

Já na África, as mulheres acreditam na importância da manutenção do útero, pois culturalmente elas precisam sangrar até a menopausa (última menstruação).

A histerectomia (retirada do útero) constitui atualmente uma das cirurgias mais realizadas em todo o mundo, perdendo apenas para a cesariana.

A primeira proposta de histerectomia total abdominal foi descrita em 1843 por Charles Clay Manchester citado por Bachman, a qual apresentou resultados fatais. Em 1930, Richardson citou Broder et al, sistematizou o procedimento.

Nos Estados Unidos, mais de 600.000 histerectomias são realizadas a cada ano e acredita-se que mais de 20 milhões de americanas já foram submetidas a este procedimento.

As indicações por doenças benignas são responsáveis por 90% dos casos, ao passo que as doenças malignas representam apenas 10%.

O risco de mortalidade é considerado baixo em torno de 1 a 2 para cada 1000 intervenções, conseqüência direta dos progressos no tratamento das doenças clínicas associadas, dos cuidados pré e pós-operatórios, do uso adequado de hemotransfusão e antibióticos, bem como dos avanços nas técnicas cirúrgicas e anestésicas.

Apesar de ter se tornado uma cirurgia de baixo risco e relativamente segura na atualidade, a morbidade associada à histerectomia não é desprezível, por isso não pode ser banalizada e nem indicada a todas as pacientes.

As complicações pós-operatórias dependem da via utilizada, estimando-se que 25% das histerectomias vaginais e 50% das histerectomias abdominais cursem com algum tipo de complicação (infecção, trombose, lesões estruturais, sangramento entre outros).

A morbidade infecciosa representa uma das complicações mais importantes associadas à histerectomia, ocorrendo em frequência variável de 4-50% em função da via utilizada.

Diversos fatores de risco têm sido apontados para o desenvolvimento de infecção pós-operatória, como o baixo nível socioeconômico, a idade avançada, obesidade, diabetes, neoplasias malignas, tempo cirúrgico aumentado, hospitalização prolongada e uso de drenos.

O risco de trombose venosa profunda (TVP) durante uma histerectomia também depende de parâmetros como idade, porte cirúrgico, tempo cirúrgico, fatores de risco pessoal e familiar e indicação do procedimento (câncer).

A incidência de TVP em uma cirurgia abdominal varia de 10-42% sendo estimado em 23% na histerectomia abdominal.

O uso de anticoagulantes profiláticos juntamente com alguns cuidados estão associados a uma redução dos riscos.

Lesões do aparelho urinário (ureter e bexiga) e aparelho intestinal (reto e sigmoide) podem ocorrer em até 1% dos pacientes dependendo da indicação, da via e do tipo de cirurgia realizada com tratamento geralmente durante o mesmo tempo cirúrgico.

A hemorragia ocorre raramente após tais procedimentos, podendo ser necessário transfusões sanguíneas. A perda de sangue média é de 500 ml sendo maior na histerectomia abdominal e menor na vaginal.

A remoção do útero mesmo sem a remoção do ovário pode acelerar os sintomas da menopausa ao atrapalhar a vascularização do mesmo.

A histerectomia isoladamente não afeta a sexualidade, podendo até mesmo ajudar se existe um problema real. Importante orientar que não fique um buraco no local onde estava o útero!

Infelizmente a via abdominal continua sendo a mais frequentemente realizada e justificada de forma errada ao defenderem que o médico deve utilizar aquela via que ele faz melhor quando ele deveria ofertar a melhor e mais segura para a paciente.

A via laparoscópica ganhou popularidade nos últimos 20 anos, principalmente com o advento da robótica, apesar de ter sido descrita por Reich em 1989.

As indicações cirúrgicas são variadas, tais quais leiomiomatose uterina, adenomiose, prolapso uterino, tratamento sintomático da dor pélvica crônica e sangramento uterino anormal resistente ao tratamento médico.

A FIGO (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia) definiu em 2011 que o sangramento uterino anormal em mulheres não grávidas deve ser classificado de acordo com a nova nomenclatura denominada PALM-COEIN, o qual separa as causas estruturais (pólipos, adenomiose, leiomiomas e malignidade) das não estruturais (coagulopatias, alterações ovulatórias, endometriais, outras não especificadas).

A principal contribuição ao meu ver foi enfatizar que os problemas estruturais e funcionais são distintos, mas podem coexistir e se potencializar.

Mesmo assim, a histerectomia continua sendo uma cirurgia muito realizada e desejada apesar de avanços com terapias medicamentosas e de tratamentos menos invasivos.

Devemos lembrar que o útero apenas obedece às ordens dadas pelos ovários!

Sendo assim, ao desligarmos os ovários ou retirá-los os problemas uterinos estariam resolvidos! Na prática não é fácil assim!

Desligamos os ovários com medicações capazes de bloquear o funcionamento completo ou parcial. É lógico que temos ônus e bônus que não serão discutidos aqui hoje.

A única indicação de retirada dos ovários são pacientes com risco genético de câncer de ovário e de mama antes dos 40 anos de idade. Nos outros casos teríamos uma mortalidade aumentada por problemas cardiovasculares e osteoporose no longo prazo!

Nos anos 2000, durante a minha pós-graduação na Bélgica, tive acesso a terapias ginecológicas minimamente invasivas pouco utilizadas hoje pelo custo elevado ou pela falta de treinamento.

Grande parte dos médicos ginecologistas e obstetras terminam hoje suas residências sem condições de realizar com segurança histerectomia por qualquer via que seja, precisando muitas vezes complementar sua formação com cursos de pós-graduação (laparoscopia, histeroscopia e cirurgia vaginal) como os da Faculdade Ciências Médicas de MG – FELUMA – no qual faço parte há 15 anos.

O resultado é uma estagnação ou retrocesso da ginecologia que insiste em realizar a mesma medicina que meus avós faziam na década de 50.

Precisamos manter a capacidade preventiva da especialidade ginecológica que quando bem realizada vai evitar uma histerectomia em 90% dos casos ao invés de acreditar que o futuro é a retirada de todos os úteros.

Gustavo Safe é diretor e médico especialista em endometriose no Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Clínica Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.

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