Esterilização feminina: liberdade com moderação.

No Brasil 76,6% das mulheres em idade  fértil utilizam algum método contraceptivo, existindo um predomínio de laqueadura (40,1%) que traz preocupação.

O controle da reprodução faz parte da sobrevivência do ser humano e das novas tendências de liberdade. 

Nas últimas décadas um número cada vez maior de casais vêm optando pela esterilização definitiva (laqueadura tubária e vasectomia) sem preocupações com possíveis repercussões clínicas e psicológicas que possam advir. 

A lei 14.443/2022 recentemente aprovada entrará em vigor em março de 2023 e traz algumas mudanças dispensando a autorização do companheiro no caso da mulher, diminuindo a idade de 25 para 21 anos, permitindo a esterilização durante o parto e determinando que o Sistema Único de Saúde (SUS) respeite o prazo de 30 dias para oferecer os métodos contraceptivos.

Permanece a necessidade de pelo menos 2 (dois) filhos vivos além do prazo mínimo de 60 (sessenta) dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, inclusive aconselhamento por equipe multidisciplinar, com visitas a desencorajar a esterilização precoce.

O que é a esterilização? Qual o objetivo?

A cirurgia leva vários nomes como ligadura tubária, laqueadura ou ainda Contracepção Voluntária Cirúrgica Definitiva (CCVD). 

O objetivo do procedimento é obstruir as tubas uterinas e impedir que os óvulos e os espermatozóides se unam.

Para compreender o efeito da ligadura das trompas, é importante conhecer a estrutura do sistema reprodutor feminino. 

As tubas uterinas, que também são denominadas como trompas de falópio, são caracterizadas por dois tubos que ligam o útero aos ovários. 

É exatamente nas trompas que ocorre o encontro entre as células germinativas do homem e da mulher para dar início à gravidez.

Os resultados dessa cirurgia costumam ser definitivos, isto é, a maior parte das mulheres que se submetem à ligadura das trompas não engravida mais.

São bem raros os casos em que ocorre alguma reversão natural e uma gestação inesperada, fato este relacionado com a técnica cirúrgica utilizada, o tempo de cirurgia e a idade da mulher. 

Os índices de falha ficam abaixo de 2% (média de  5 mulheres em cada 1000), considerando avaliação da taxa cumulativa referente a um período de 10 anos, incluindo  a gravidez ectópica.

Como é realizada a cirurgia?

O procedimento pode ser feito por via abdominal (laparotomia e videolaparoscopia) ou vaginal (histeroscopia e colpotomia – abertura do fundo de saco vaginal). 

A laparotomia é feita a partir de uma incisão suprapúbica que permite o acesso ao interior do corpo feminino e o manuseio das tubas. Mais dolorosa e com mais complicações.

Já a videolaparoscopia é uma técnica menos invasiva que é realizada  através de  portais de acesso com diâmetros mínimos  de cinco milímetros sendo responsável por uma menor dor pós-operatória, mais rapidez na realização do procedimento e no restabelecimento da paciente.

Para a obstrução das trompas podem ser utilizados diferentes recursos, como fio cirúrgico, eletrocoagulação, clipe (ou grampo) e anel de silicone.

A ligadura das trompas deve ser evitada ao máximo, visto que é um método de esterilização definitiva e pode, inclusive, trazer arrependimento à paciente. 

O arrependimento e a depressão, por exemplo, são possíveis efeitos emocionais nas mulheres que se tornam estéreis.

Por isso, a decisão final sobre fazer ou não a laqueadura cabe sempre à mulher, sendo que o preparo psicológico é uma das etapas mais importantes antes da execução da cirurgia.

Muitas mulheres  que se arrependem desconhecem outros métodos contraceptivos e pensam que a operação é reversível, além de ignorar que fatores como a mudança de parceiro, a perda dos filhos ou mudança nas condições financeiras podem influenciar no futuro.

Mulheres que se arrependem podem tentar a reversão da laqueadura com a realização de uma nova cirurgia, a reanastomose tubária, bem mais complexa e difícil.

As chances de êxito da cirurgia de reversão da laqueadura são reduzidas (40%), e depende de fatores como a preservação da porção final das tubas, o tempo da realização do procedimento e a experiência do cirurgião.

Muitas mulheres acabam precisando de técnicas de fertilização in vitro (os chamados bebês de proveta), procedimento caro e pouco disponível no SUS.

De cada 100 mulheres que procuram atendimento no Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), 15 fizeram laqueaduras e, agora, querem de volta a possibilidade de terem filhos. 

Levantamentos do Ministério da Saúde e dos planos privados de saúde e pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), mostram que caiu a proporção de mulheres que recorrem à laqueadura, enquanto aumentou o uso de métodos contraceptivos não definitivos, como o diafragma intra-uterino (DIU) e o diafragma. 

O homem passou a fazer parte do planejamento familiar, e a vasectomia deixou de ser mito. 

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Essa realidade é mais evidente na Região Centro-Oeste, onde a queda da laqueadura e o aumento da vasectomia ocorrem de forma mais expressiva do que no restante do País.

A região Norte é a que mais concentra brasileiras que recorrem à laqueadura como método contraceptivo. 

Uma pesquisa realizada na Universidade de Turim, na Itália, comparou os dois países e mostrou que no Brasil (segundo dados da Unicamp) cerca de 40% das mulheres em idade fértil já se submeteram à laqueadura, enquanto que na Itália esse índice não chega a 1%. 

Apesar de ser uma cirurgia, a ligadura das trompas costuma ser um procedimento seguro e com baixas taxas de complicações mas que precisa de ponderação e cautela na tomada de decisão.

A mulher esterilizada está sujeita a danos físicos e psicológicos, ou seja, a síndrome pós-laqueadura caracterizada pela desarmonia do ciclo menstrual (metrorragia, sangramento intermenstrual, “spotting” e amenorréia), dor pélvica (dismenorréia, dispareunia), tensão pré-menstrual e manifestações psicológicas. 

Cerca de 20 a 40% das mulheres submetidas à esterilização tubária apresentam alguma sequela, e a frequência de alterações menstruais após a esterilização varia de 2,5 a 60%. 

Outros eventos pós-laqueadura, raros e discutíveis, como a endometriose, gravidez ectópica e possível associação com risco aumentado para câncer de mama e histerectomia no futuro têm sido descritos e devem ser levados em conta.

A cultura do brasileiro ainda é a de se fazer a laqueadura, mas a cirurgia é considerada definitiva e deve ser recomendada como última opção, lembrando que são as jovens com menos de 30 anos que se arrependem com mais frequência.

Importante ainda lembrar dos benefícios da contracepção oral, como o controle do ciclo menstrual, a melhora da cólica menstrual, a diminuição do fluxo menstrual, a diminuição das alterações funcionais benignas da mama (AFBM), a diminuição da TPM, a proteção contra câncer de ovário, endométrio e intestino, a diminuição dos cistos funcionais do ovário, a proteção contra desenvolvimento da endometriose e dos miomas e a melhora da pele (acne e hirsutismo).

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Gustavo Safe é diretor e médico especialista em endometriose no Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Clínica Ovular Fertilidade e Menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.

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