Dor cíclica no ombro direito e endometriose

Dor cíclica no ombro direito e endometriose

Dor cíclica no ombro direito e endometriose torácica

Já pensou que a sua dor no ombro direito pode ser decorrente de uma endometriose torácica?

Dores de origem músculo esquelética estão cada vez mais frequentes nesta vida corrida e estressante  que vivemos de correria intensa.

Estes espasmos musculares com compressão nervosa, geram dores referidas  (dor que é sentida distante do local onde o problema está ocorrendo)que acabam confundindo e provocando erros diagnósticos.

Estamos falando de mulheres sintomáticas  que podem apresentar algum sintoma cíclico (no período  menstrual) de dor no ombro direito que acreditam ser normal ou são tratadas por ortopedistas ou fisioterapeutas sem resultado com aplicação local  quando na verdade o problema é decorrente de uma endometriose diafragmática.

O tórax é o principal sítio de acometimento de endometriose extra abdominal.

A endometriose é uma doença crônica, inflamatória e evolutiva capaz de acometer mulheres em idade reprodutiva, gerando sintomas no período menstrual e ovulatório.

A Síndrome da Endometriose Torácica (TES) consiste na presença de endometriose no parênquima pulmonar, no diafragma, na  superfície da pleura e brônquios que produzem sintomas dolorosos com alterações radiológicas como pneumo e hemotórax menstrual e hemoptise com nódulos pulmonares eventualmente. 

Trata-se de uma doença subdiagnosticada acometendo 0,1 a 1,5% das mulheres em idade fértil.

No geral as lesões são múltiplas (69% das vezes) com o principal local de acometimento sendo na região posterior do diafragma concomitante a uma endometriose pélvica em 50 a 90% das vezes.

O pico de diagnóstico ocorre entre os 35 e 40 anos, 5 a 10 anos depois  do pico de acometimento da endometriose pélvica.

Nenhuma teoria consegue explicar todas as manifestações da TES por se tratar provavelmente de uma origem multifatorial.

Possibilidade grande de ter uma origem conforme a teoria de Sampson que fala da menstruação retrógrada que explicaria uma incidência 9x maior de acometimento do diafragma direito em relação ao esquerdo.

A outra possibilidade seria a Metaplasia celômica onde células mesoteliais da pleura e peritônio sob estímulo estrogênico induziram uma endometriose capaz de explicar  a existência de doença em homens e mulheres com agenesia uterina (que não menstruam).

Estas teorias anteriores não explicam a endometriose brônquica bilateral que pode ser explicada pela disseminação linfática e hematogênica.

A apresentação clínica da TES é variável com a maioria das pessoas assintomáticas e achados ocasionais durante cirurgias abdominais laparoscópicas.

Entenda os sintomas da endometriose torácica

Os sintomas dolorosos são decorrentes de uma irritação do nervo frênico que dependendo do local acometido (origem) provoca dor cíclica no ombro, no pescoço, no quadrante superior do abdome e na região epigástrica.

Temos ainda pneumotórax catamenial em 80% das vezes,  hemotórax catamenial em 14%, hemoptise (eliminação de sangue do trato respiratório pela tosse) catamenial em 5% e por último nódulos pulmonares (com 0,5 a 3 cm) em achados de radiografias.

A endometriose produz elevado nível de PGF2, um potente constrictor brônquico e vascular que pode levar a ruptura alveolar e formação de bolhas observadas no pneumotórax catamenial (menstrual).

Em relação à localização da doença temos ainda sintomas como dor no peito, tosse e respiração curta.

Como é realizado o diagnóstico da endometriose torácica?

O diagnóstico é realizado com ajuda de exames de imagem como RX de tórax, TC de tórax (pneumo e hemotórax), RNM (lesão no diafragma em 78 a 83%), broncoscopia (citologia melhor que biopsia), US,  laparoscopia e toracoscopia.

Em apenas  21,7% das vezes temos uma suspeita prévia a cirurgia com exame de imagem mal direcionados.

Tratamento e cirurgia da endometriose torácica

O tratamento medicamentoso deve ser a primeira linha (Gnrh, Antagonista Gnrh, Progestágeno, Danazol deixando a cirurgia para pacientes que desejam engravidar,refratárias ao tratamento clínico, intolerantes  ou com recorrência.

A via de acesso deve ser combinada com toracoscopia e laparoscopia realizadas por um cirurgião ginecológico e um cirurgião torácico de preferência.

No processo cirúrgico uma sistematização é fundamental começando com uma avaliação torácica dos implantes, resseccao parenquimatosa e diafragmática após identificação do mediastino, nervo frênico, veia cava e pericardium por via torácica ou abdominal.

O tipo de lesão (superficial ou profunda) assim como as suas características (lesões pretas, azuis, em chama de vela, lesões vesiculares, fibróticas brancas e aderênciais vão definir se devemos fazer uma  ressecção ou vaporização.

A técnica cirúrgica deve considerar a destruição ou retirada total da endometriose do órgão acometido (peritonectomia, nodulectomia com shaving ou ressecção total).

As cirurgias não são isentas de risco e as pacientes podem apresentar hemopneumotórax, arritmia devido ao uso de energia perto do coração, hérnia, lesão do nervo frênico (paralisia), lesão da veia cava e lesão hepática.

Em caso de sintomas de dor no ombro consulte com um especialista (cirurgião torácico, ginecológico) capaz de reconhecer a condição e ajudar na realização de um diagnóstico diferencial e descartar um acometimento diafragmático.

Leia também: Câncer hereditário e o efeito Angelina Jolie

Gustavo Safe é diretor e médico especialista em endometriose no Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Clínica Ovular Fertilidade e Menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.

Se você tem dúvidas ou quer sugerir temas para a coluna, envie e-mail para gustavo_safe@yahoo.com

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Câncer hereditário e o efeito Angelina Jolie

Câncer hereditário e o efeito Angelina Jolie

Entre 5-10% dos casos de câncer de mama e ovário são causados por uma alteração genética herdada cuja mutação pode influenciar a sobrevida.

A alteração genética que causa o câncer hereditário pode estar presente em todas as células do corpo da pessoa, incluindo óvulos e espermatozoides, e existe a chance de 50% da alteração ser passada aos filho(s) nos casos de herança autossômica dominante.

Os genes BRCA são genes supressores tumorais e apresentam uma importante função na manutenção da integridade do genoma, como a reparação de quebras de dupla hélice do DNA. 

O gene BRCA1 está localizado no braço longo do cromossomo 17 enquanto o gene BRCA2 está localizado no braço longo do cromossomo 13. 

Mais de 1200 mutações diferentes têm sido relatadas para o gene BRCA1 e mais de 1300 para o gene BRCA2 sendo que 90% delas são essas mutações nos genes BRCA1 (185delAG e 5382insC) e BRCA2(6174delT).

Em 2013, a atriz americana Angelina Jolie veio a público em um artigo na New York Times para comunicar que tinha sido submetida a uma dupla mastectomia após ter descoberto que era portadora de uma mutação no gene BRCA1 que aumenta o risco de câncer de mama e ovário.

Novamente em 2015, a atriz foi submetida a outro procedimento preventivo de remoção dos ovários e das trompas de Falópio (Salpingo-ooforectomia bilateral – SOB).

A atriz Angelina Jolie realizou o teste genético, pois tinha um forte histórico familiar com mãe, avó e tias maternas que tinham falecido de câncer de mama ou ovário.  

Na época, a exposição do caso contribuiu para a popularização dos testes genéticos para câncer de mama, um fenômeno que ficou conhecido como “efeito Angelina Jolie” decorrente do aumento de 93% do número de testes realizados assim como  o aumento de 45% do número de mastectomias profiláticas.

Outubro Rosa é o mês da conscientização sobre o câncer de mama cuja redução nestes casos chega a 95% com a mastectomia e 50% com a SOB se realizado em momento oportuno.

Importante que não existe indicação de mastectomia profilática em homens!

Mutações no gene BRCA1 estão mais associadas aos tumores de mama triplo-negativos (sem receptor para hormônios) e câncer de ovário. 

Já as mutações no gene BRCA2 estão mais associadas ao câncer de mama em homens e ao câncer de pâncreas.

Além do BRCA1 e BRCA2 outros genes como o CDH1, PALB2, PTEN e TP53 aumentam o risco de uma pessoa desenvolver o câncer de mama.

Outras síndromes hereditárias que demonstram um aumento de suscetibilidade para carcinomas de mama e/ou de ovário incluem síndromes de Li-Fraumeni, Cowden, Lynch (também conhecida como “hereditary non-polyposis colorectal cancer” [HNPCC]), Peutz-Jeghers e Ataxia Telangiectasia. 

Essas síndromes compartilham algumas características em comum como a associação com mutações fundadoras, as quais normalmente apresentam um trato autossômico dominante, e não estando ligadas a cromossomos sexuais .

Dentre estas características temos a idade precoce de apresentação do câncer antes dos 50 anos, o aumento da incidência de outros carcinomas e a doença bilateral.

Esses grupos com mutações fundadoras têm  sido identificados em judeus ashkenazi, canadenses de origem francesa, islandeses entre outros.

Ao passo que na população em geral a incidência é de um para cada 300 a 800 pessoas, nos judeus ashkenazi a incidência é de um para cada 40 pessoas. 

No Brasil, ainda não há estudos suficientes para delimitar essas mutações fundadoras, pois os estudos  não realizaram o sequenciamento completo. 

Uma questão a ser discutida é quem deve fazer estes testes que custam em média 3000U$ nos EUA  ou 16 mil reais no Brasil (teste genético completo BRCA 1 e 2 com mais 24 genes). O teste só do do BRCA 1 e 2 sai por R$ 6 mil.

Os planos de saúde oferecem cobertura apenas para os indivíduos afetados (diagnóstico atual ou prévio de câncer) e quando preenchidos alguns critérios, e/ou casos onde já foi identificada uma mutação deletéria na família. 

Estes critérios podem ser consultados nas diretrizes de utilização (DUT)  ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) .

O teste BRCA1 e 2 é indicado para pessoas com risco aumentado para a mutação do gene, conforme diretrizes de algumas sociedades como a NCCN.

  • Familiares com mutação no gene BRCA1 ou 2 ou outra mutação no gene de alto risco associada ao câncer de mama.
  • Histórico pessoal de câncer de mama aos 45 anos ou menos.
  • Histórico pessoal de câncer de mama bilateral.
  • Histórico pessoal de câncer de mama triplo negativo (câncer de mama com receptor de estrogênio negativo, receptor de progesterona negativo e HER2 negativo) diagnosticado aos 60 anos ou menos.
  • Hereditariedade judaica Ashkenazi e histórico pessoal de câncer de mama.
  • Histórico pessoal de câncer de mama aos 46-50 anos e um familiar próximo  com diagnóstico de câncer de mama em qualquer idade.
  • Histórico pessoal de câncer de mama em qualquer idade e um familiar próximo com diagnóstico de câncer de mama aos 50 anos ou menos.
  • Histórico pessoal de câncer de mama em qualquer idade e dois ou mais parentes próximos com diagnóstico de câncer de mama em qualquer idade.
  • Histórico pessoal de câncer de mama em qualquer idade e um parente próximo com diagnóstico de câncer de pâncreas, câncer de próstata avançado em qualquer idade.
  • Histórico familiar com diagnóstico de câncer de mama aos 45 anos ou menos.
  • Histórico pessoal ou familiar de câncer de ovário, câncer de pâncreas ou câncer de próstata avançado em qualquer idade.
  • Histórico pessoal ou familiar de câncer de mama em homens.

Na maioria dos casos, o teste é feito primeiro na pessoa com câncer de mama, câncer de ovário, câncer de pâncreas ou câncer de próstata agressivo.

A população feminina geral tem um risco de 7% de ter câncer de mama enquanto pessoas com alterações no BRCA1 têm risco de 47% a 88% de desenvolver câncer de mama em algum momento da vida .  

Nestas pacientes um rastreamento com mamografia, ultrassom e ressonância podem ser ofertados de forma precoce antes dos 30 anos de idade.

O câncer de ovário é a doença ginecológica maligna mais letal e ocupa o quinto lugar em mortes por câncer entre as mulheres decorrente da ausência de métodos de rastreamento e diagnóstico precoce.

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que, para cada ano do triênio 2020/2022, sejam diagnosticados no Brasil 6.650 novos casos de câncer de ovário (Instituto Nacional de Câncer, 25/04/2022).

Aproximadamente 10 a 15% das neoplasias de ovário ocorrem devido a alguma mutação genética.

Cerca de metade das mulheres que são diagnosticadas com câncer de ovário têm em torno de 63 anos ou mais, sendo mais frequente em mulheres brancas do que nas mulheres negras.
 
É importante mencionar que a taxa de mulheres diagnosticadas com câncer de ovário vem caindo lentamente ao longo dos últimos 20 anos.

O uso prolongado de pílula (ACO) diminui a incidência de câncer de ovário!

A SOB profilatica é definida como a remoção de trompas ovárias normais em procedimentos cirúrgicos para prevenção do câncer hereditário.

Um estudo publicado no Journal of Clinical Oncology, prospectivo e multicêntrico, buscou entender o momento ideal para as pacientes serem submetidas à SOB.

Neste estudo, 5.783 mulheres com mutações do BRCA1 (n=4.473) ou BRCA2 (n=1.310) foram selecionadas no Canadá, Estados Unidos, Áustria, França, Itália, Noruega e Polônia. 

Os resultados do estudo mostraram que a ooforectomia reduz em 80% o risco de câncer de ovário, trompa de Falópio, ou câncer peritoneal em portadoras de mutações do BRCA1 ou BRCA2.

O estudo concluiu ainda que as pacientes com mutação do gene BRCA1 ou BRCA2 submetidas à ooforectomia profilática após os 35 anos tiveram uma chance maior de desenvolver câncer de ovário. 

Se uma mulher com uma mutação BRCA1 adiar a cirurgia profilática até os 40 anos de idade, o risco de câncer de ovário sobe para 4% e o risco após os 50 anos aumenta para 14,2%. 

Outro dado interessante exposto no estudo é que as mulheres que possuem apenas a mutação do BRCA2 parecem não ter um maior risco até os 35 anos de idade e poderiam atrasar a cirurgia até seus 40 anos.

Lembrar do aumento do risco de outros carcinomas como o carcinoma de pâncreas, especialmente em portadores do gene BRCA2,  carcinomas de corpo do útero, carcinomas gástricos, carcinomas de vesícula biliar e vias biliares e carcinoma de pele (melanoma). 

Pensando na sobrevida é importante discutir com a paciente candidata a realizar o exame  o que fazer em  caso de resultado positivo para mutação BRCA1 e 2, pois grande parte das mulheres são contrárias a retirada das mamas e a retirada precoce dos ovários antes dos 40 anos trás problemas cardiovasculares e de osteoporose a longo prazo com aumento da mortalidade.

Leia também: Sensibilização central, a chave da dor crônica

Gustavo Safe é diretor e médico especialista em endometriose no Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Clínica Ovular Fertilidade e Menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na dor pélvica, infertilidade, preservação da fertilidade, endometriose, endoscopia ginecológica e cirurgias minimamente invasivas.

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